COLUNA ATIVISTA

Privatização da Eletrobrás e as viúvas do atrasado

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Por Daniel Angelim

Um dia após o 1º de maio recebemos a notícia de que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está preparado para colocar em votação o projeto que autoriza a privatização da Eletrobrás. Mesmo que sem muitas chances de vitória, Maia tenta dar um o passo definitivo para um dos maiores assaltos ao patrimônio público dos brasileiros.

Este não é um assunto de menor importância na medida em que se trata de uma empresa pública que é a líder de um complexo sistema de empresas responsáveis pela geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no Brasil. A Eletrobrás é a maior empresa de energia elétrica da América Latina. São 233 usinas e 70 mil quilômetros de linhas de transmissão que produzem praticamente um terço da energia consumida no Brasil. É uma gigante.

O processo da Eletrobrás – que ainda não está finalizado – traz à tona diferentes elementos que se repetem em muitas narrativas de privatização já feitas. Aqui, mais uma vez, a história se repete como farsa.

 

Torturem os números até que eles falem o que você quer.

 

O primeiro componente se refere a velha cantilena que fundamenta a venda. O governo federal informa que a Eletrobrás é deficitária e chegou a um prejuízo líquido na ordem de R$ 1,76 bilhões em 2017.  Esta informação foi divulgada no último mês de março graças ao envio de relatórios para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O resultado negativo, segundo o Ministério de Minas e Energia, deve-se em grande parte a necessidade de quitar os empréstimos compulsórios[1] feitos durante praticamente 40 anos. Desta forma, nestes números divulgados estão mais ou menos R$ 3,5 bilhões para devolver às indústrias que pagaram pela energia elétrica consumida no período de 1987 a 1993.

Para termos uma dimensão, o lançamento destas novas provisões impactou o resultado da Empresa em R$ 2,3 bilhões e os juros de correção em R$1 bilhão. Ou seja, descontados do resultado, o prejuízo de R$ 3,5 bilhões referentes aos processos de empréstimo compulsório, a Empresa apresentaria um lucro de nada menos que R$1,4 bilhão! Desta forma, o déficit esta longe de ser estrutural do sistema. A Eletrobrás – em condições normais – é uma empresa superavitária. No entanto, o governo Temer insiste no argumento do prejuízo da empresa para justificar a privatização.

 

Compromissos de Temer com o Capital.

 

Outra peça importante no tabuleiro é a missão atribuída a Michel Temer e sua quadrilha ao ser colocado – via golpe – na Presidência da República: operar a entrega do patrimônio público para o “mercado”. Uma parte significativa do apoio que o ilegítimo presidente recebia e ainda recebe no parlamento se deve a satisfação do capital especulativo e do rentismo. A privatização da Eletrobrás está no topo da lista de demandas dos grandes grupos econômicos. Para alcançar esse objetivo, o governo faz uso do autoritarismo e do desrespeito às leis e instituições.

Mesmo com toda a força do Poder Executivo, que foi suficiente para derrotar em 2017 duas denuncias proposta pela Procuradoria Geral da República, o projeto patina no Congresso, especialmente pelas suas enormes fragilidades. Trata-se, na prática, de um projeto juridicamente tosco e inexequível do ponto de vista prático. Fica claro o açodamento de todo o debate. A Eletrobrás inclusive recebeu carta de um grande investidor (AAE Management LLC) ameaçando acionar a Justiça norte-americana em caso de privatização.

 

A chantagem da imprensa empresarial.

 

Os jornalões e as revistas semanais[2] de grande circulação entraram pesadamente na campanha pela privatização. De forma uníssona lançaram matérias, repleta de “especialistas, lamentando a dificuldade do governo Temer e do Congresso em levar a frente a venda da Eletrobrás. Informam que o provável fracasso acarretará com um ônus de R$ 16 bilhões a ser absorvido por nós consumidores de energia elétrica.

O caderno de economia do Estadão, por exemplo, afirma que “o presidente da companhia, Wilson Ferreira Jr lembrou que a União conta com R$ 12,2 bilhões em receitas previstas no Orçamento, relativos ao bônus de outorga dos novos contratos de concessão das usinas da companhia. Sem a privatização da Eletrobrás, o Executivo destacou que o governo terá de, no mínimo, pensar numa forma de resolver os R$ 12 bilhões. Como 60% do capital da Eletrobrás é da União, a maior parte dos recursos teria de sair do próprio Tesouro”[3]. Mais uma vez a imprensa empresarial cumpre o seu papel de desinformar.

 

Portas giratórias

 

A cereja do bolo para completar a típica narrativa da privatização à brasileira é que o piloto do processo de venda seja vinculado a inciativa privada. A pessoa que conduziu todo o processo até abril deste ano foi o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa.

E quem é o distinguido  senhor Paulo Pedrosa? O secretário antes de chegar ao cargo era nada mais nada menos que o presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (ABRACE). Entre 2001 e 2005, ele foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), tendo trabalhado na Eletronorte e na Chesf, do sistema Eletrobrás. No Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Pedrosa foi conselheiro, posição que também ocupou no Conselho de competitividade do Plano Brasil Maior e no Conselho das Indústrias Reguladas da Associação Comercial do Rio de Janeiro. No setor privado, novo secretário-executivo foi conselheiro da Equatorial Energia, da Cemar e da Light.

Como sabemos, o esquema das portas giratória amplia o déficit democrático que temos no Brasil. Está claro neste caso o conflito de interesses de alguém que até pouco era regulador e antes deveria ser a parte regulada. As portas giratórias são as articulações que mantém unida e funcionando esse grande mecanismo que molda e sustenta a política nacional. Este estado piora quando observamos as agências reguladoras, que deveriam regular as diversas atividades econômicas em questão e que são modelo do que de pior existe em termos de eficiência, com arranjos institucionais fragmentados e feudais, gestão pouco qualificada, nível de burocratização inimaginável, sem políticas públicas claramente estabelecidas, sem planejamento e sem avaliação adequados.

A iniciativa de privatização da Eletrobrás, mesmo que volte para a gaveta, representa e ilustra com clareza tudo o que significa o processo de venda do patrimônio público no Brasil. Acelera a desestruturação do setor elétrico brasileiro, aposta naquela estratégia mais descolada da nossa base de recursos naturais e da infraestrutura industrial do setor, e constitui uma volta aos fracassos do passado, combinando ignorância, arrogância e má-fé.

O que existe é uma verdadeira triangulação entre as viúvas do fracasso da privatização, o banditismo de Temer & cia. e o capital especulativo/rentista que irá instaura um quadro de deus-nos-acuda e irresponsabilidade institucional que antecipa a crises e momentos difíceis não só para o setor elétrico, mas, dada a relevância desse setor, para o próprio país.

 

[1] Entre 1962 e janeiro de 1994 ocorreu a cobrança de um empréstimo compulsório para a ELETROBRÁS nas contas de energia elétrica, o qual chegava ao percentual de até 32,5% (trinta e dois e meio por cento) do valor mensal da conta de energia. Como todos empréstimos compulsório a Lei 4.156/62, suas ações e normativas estabeleceram que este valor pago deveria ser devolvido ao contribuinte em um prazo de 20 anos após o pagamento. O Objetivo deste empréstimo era financiar a expansão do sistema elétrico nacional, e ele foi pago inicialmente por todos consumidores, mas ao final tão somente pelos consumidores industriais que consumissem mais de 2.000 KWH, tudo conforme tabela abaixo.

[2] Estadão, Folha, O Globo, Época, Isto É e Veja.

[3] O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo. “Sem privatizar Eletrobrás, União precisará de R$ 12 bi” achado em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sem-privatizar-eletrobras-uniao-precisara-de-r-12-bi,70002146383