Logo no primeiro dia de sua gestão, em janeiro de 2017, o então prefeito da cidade de São Paulo, João Doria (PSDB), criou a Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias (DECRETO Nº 57.576). O órgão, chancelado pelo discurso da desoneração dos cofres públicos, ficou encarregado de uma de suas principais bandeiras: a privatização de serviços e equipamentos públicos.
Um vídeo divulgado ainda no primeiro mês de gestão demonstrava de forma emblemática a visão da nova Prefeitura. Desenvolvida para atrair investidores estrangeiros, a peça, narrada em inglês, apresentava o autoproclamado “maior programa de privatização da história de São Paulo” e pretendia mostrar a capital paulista como uma cidade global.
O vídeo divulgava uma série de estruturas públicas municipais disponíveis para aquisição ou concessão à iniciativa privada. Intitulado Road Show São Paulo, ensejava a ideia de que a cidade estava abrindo suas ações ao mercado mundial. Em cinco minutos, a peça informava que São Paulo era receptiva a empresas interessadas no Autódromo de Interlagos, no Complexo do Anhembi, incluindo o Sambódromo, e no Estádio do Pacaembu. Disponibilizava para gerência, operação e uso publicitário o parque Ibirapuera, os diferentes mercados da cidade (incluindo o Mercado Municipal), os terminais de ônibus e trem da capital e até mesmo os cemitérios e crematórios municipais. Destacava-se ainda a oferta de negócios envolvendo o sistema de bilhetagem dos ônibus de São Paulo (o conhecido Bilhete Único), que apresentaria a oportunidade de “database and cross-selling opportunities”, ou seja, oportunidades para adquirir banco de dados e realizar venda cruzada.
Além disso, Doria vendia aos cidadãos de São Paulo, em vídeos de frequência quase diária, a ideia de que a privatização dos bens e serviços públicos era a melhor, quando não a única, forma de promover a eficiência na gestão e sanar as contas da cidade.
Esse discurso não é exatamente uma novidade. A privatização do serviços e equipamentos públicos é uma estratégia utilizada na gestão das cidades brasileiras desde pelo menos o começo da década de 1990, tendo se fortalecido na esteira do neoliberalismo e das pressões da globalização econômica.
A ideia de privatizar setores da economia ou serviços e equipamentos públicos se apoia no argumento de que essa seria a única estratégia possível para financiar o déficit público. Além de recolher a receita da venda das empresas, do serviço ou do patrimônio, o processo de privatização reduziria a necessidade de contrair novas dívidas para sustentar aquele determinado “gasto”. Essa operação é muitas vezes justificada pela ideia de “responsabilidade fiscal”, defendida frequentemente por meio de uma analogia com os gastos domésticos: uma família não pode gastar mais do que ganha; deve diminuir gastos supérfluos, concentrando-se nos mais importantes e fundamentais.
Outro argumento largamente usado para defender a privatização de bens e serviços públicos é o da eficiência do setor privado. Os defensores da venda do patrimônio público defendem que a iniciativa privada é muito mais eficiente na gestão das empresas e dos recursos. Por operar em um sistema de (suposta) livre concorrência, empresas privadas precisam gerir melhor seus recursos, ou seja, racionalizar seus gastos, estimular a criatividade e a pró-atividade dos seus trabalhadores e combater a corrupção interna.
A narrativa privatizante chegou ao seu apogeu no país no começo da década de 1990, quando tiveram início as privatizações de boa parte das empresas do setor elétrico, petroquímico, siderúrgico, de telecomunicações, de mineração e ferroviário. Entre 1991 e 2000, mais de cem empresas estatais de propriedade da União e dos estados foram privatizadas no Brasil.
Em 2000, foi promulgada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que condiciona os gastos da União, dos estados e dos municípios à sua capacidade de arrecadação, engessando os gastos públicos como solução para a crise fiscal.
Durante um breve período no início dos anos 2000, após diversos insucessos, a narrativa “privatizante” enfraqueceu-se no cenário político nacional. O caso mais destacado talvez tenha sido o da crise no fornecimento e distribuição de energia elétrica de 2001, conhecida como “crise do apagão”. Tal crise ocorreu entre junho e julho de 2001, durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo sido causada por falta de planejamento e investimentos em geração de energia.
A crise do sistema elétrico, que havia sido privatizado, teve grande impacto sobre os debates ocorridos na campanha eleitoral de 2002. Em 2006, as privatizações da era FHC continuavam a ser um ponto polémico na pauta política. O candidato do PSDB Geraldo Alckmin chegou a vestir camisetas e boné com as logomarcas das empresas que ainda permaneciam públicas (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras etc.), como demonstração de que não privatizaria tais empresas.
Mesmo assim, a narrativa da privatização deixou uma importante marca na gestão da coisa pública. Nos últimos dez anos, quase todos os governos acabaram concedendo à iniciativa privada aeroportos, usinas de geração de energia, distribuidoras de energia e estradas, entre outros. Apesar de muitas dessas iniciativas também terem demonstrado ser ineficazes para alcançar seus objetivos declarados de aumento de eficiência, melhora na prestação de serviços, barateamento dos preços, entre outros, os questionamentos de origem liberal ao “neo-desenvolvimentismo” que criticam o papel ativo do Estado na economia, também parecem ter sido retomados e ganhado nova força. Ao mesmo tempo, a crise do sistema político, relacionada fundamentalmente a questões ligadas à corrupção e ao financiamento das eleições, ofereceu uma oportunidade aos adeptos do chamado “Estado mínimo” para construir uma polarização entre a figura do “político” e a do “empresário”, sendo esse último caracterizado como mais apto ou competente para gerir recursos.
A população de São Paulo, contudo, apesar de ter apoiado a retórica privatizante ao eleger o prefeito João Doria ainda no primeiro turno, não se convenceu das vantagens da desestatização em sua cidade. Em abril, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha sobre o pacote de privatizações, segundo a qual a maioria dos paulistanos reprovava o programa.
O Plano Municipal de Desestatização também tem sido criticado por diversas organizações não governamentais e vereadores, mesmo da base de Doria. As críticas giram ao redor de duas questões principais. A primeira é o fato de que as privatizações não cumprem o principal objetivo declarado do prefeito para promovê-las, ou seja, o de desonerar a Prefeitura de forma significativa, como veremos abaixo. A segunda é que o processo de privatização não tem sido conduzido de forma a resguardar o interesse público, seja porque falta transparência e controle social ao processo, seja porque a Prefeitura não tem imposto salvaguardas nesse sentido, tais como condições e contrapartidas que o setor privado deve cumprir para comprar ou explorar o serviço ou bem público em questão.
Ao longo do ano de 2017, João Doria alegou ter herdado um suposto rombo de R$ 7,5 bilhões nos cofres públicos, que teria inviabilizado ações de sua gestão. Desde o início de seu mandato, o prefeito e seus secretários propuseram as privatizações como forma de desonerar a Prefeitura. Porém, segundo o Relatório de 2016 do Tribunal de Contas do Município, em janeiro de 2017 Doria recebeu a Prefeitura com um caixa positivo de R$ 5,35 bilhões, dentre os quais R$ 2,19 bilhões estavam comprometidos com despesas a pagar, restando, portanto, R$ 3,16 bilhões de saldo para a nova gestão.
No que diz respeito especificamente às privatizações, em discurso durante a primeira audiência pública sobre o Plano Municipal de Desestatização (PMD), em 25 de julho de 2017, o secretário municipal de Desestatização e Parcerias, Wilson Poit, afirmou que o objetivo da criação de sua secretaria era permitir que a cidade pudesse “investir dinheiro e recursos principalmente em Saúde, Educação, Habitação, Segurança e em Assistência Social e Mobilidade. Que o governo fique mais enxuto e focado naquilo que a população mais humilde está precisando e para o qual não temos dinheiro. O Orçamento de São Paulo está extremamente apertado. Os senhores estão acompanhando aí a queda de arrecadação e nós vamos, faz parte dessa Secretaria, apresentar uma série de projetos.”
Conforme levantamento feito pela Bancada de Vereadores do PT, porém, a soma da desoneração do PMD não chega a 1% do orçamento municipal. Além disso, de acordo com o relatório da bancada, “Seu próprio PPA demonstra a falta de confiança da gestão no PMD: dos R$ 7 bilhões que o prefeito disse que iria arrecadar, estão previstos apenas R$ 2,5 bilhões nos próximos quatro anos.”
A forma pela qual a Prefeitura conduziu o processo de apresentação e pedido de aprovação do Plano Municipal de Desestatização foi criticada por acadêmicos, ativistas e vereadores por se dar de forma apressada, não permitindo a participação da população no processo decisório, e pouco detalhada, não permitindo aos vereadores entender exatamente o que estariam aprovando ao dar seu aval às privatizações. As propostas para privatizar cada um dos bens e equipamentos listados como prioritários também foram votadas com pouco tempo de debate: chegaram à Câmara entre junho e agosto e, em vários casos, foram aprovadas, em dois turnos, já em setembro e outubro.
O processo gerou incômodos até mesmo entre a base de apoio de Doria na Câmara. A vereadora Patrícia Bezerra (PSDB) pediu que a Câmara aprovasse um plebiscito para que a população pudesse decidir o que a Prefeitura de São Paulo poderia privatizar. Para ela, “quem dá o poder autorizativo para isso é a população. Porque é ela que é a dona real do patrimônio. O poder decisório extrapola os 55 vereadores da Casa.” Já a vereadora de oposição Sâmia Bonfim (PSOL) exigiu a realização de consultas públicas até mesmo para as concessões.
O “interesse público” está consagrado na legislação brasileira pela Constituição de 1988, referindo-se ao interesse geral da coletividade e ao bem comum. Tutelar este interesse é, pela Constituição, responsabilidade direta do Estado. A ideia de privatização é, de certa forma, uma flexibilização deste conceito. O Estado delegaria a particulares a execução de um determinado serviço essencial, sempre mantendo um controle sobre execução, para, em última instância, garantir o interesse público. Em qualquer processo de privatização, contudo, é preciso lidar com uma questão de fundo, que é o fato de que empresas privadas e públicas possuem naturezas e interesses distintos. Nossa Constituição determina que a exploração da atividade econômica pelo Estado seja permitida desde que haja necessidade de proteção à segurança nacional ou haja relevante interesse coletivo. Ou seja, a criação de uma empresa pública ou uma estatal não é concebida, em tese, para que o Estado tenha lucro. Já quando se trata de empresas privadas, o lucro é central: a responsabilidade de seus dirigentes é proteger os interesses dos acionistas, maximizando o seu investimento, e o interesse público é perseguido apenas na medida em que não reduza a lucratividade da empresa. Em caso de privatização, para equilibrar estas motivações, difíceis de conciliar, tornam-se fundamentais estruturas ou agências reguladoras fortes, que funcionem mirando o bem coletivo e o interesse público. Ou seja, a regulação, a transparência e a fiscalização por parte do Estado seriam elementos importantíssimos para qualquer processo de privatização.
A forma pela qual o processo de desestatização vem sendo conduzido na cidade de São Paulo, no entanto, indica que a Prefeitura não está cumprindo esse papel. Ativistas e vereadores da oposição classificaram a tentativa de Doria de aprovar as privatizações na Câmara de forma genérica e célere como o pedido de um “cheque em branco”. O sociólogo e ativista Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo, por exemplo, lamenta a falta de estudos, pesquisas ou estimativas embasando os textos dos PLs. Segundo ele, “a Câmara está dando uma autorização genérica às concessões, o que impede o debate público. Isso é muito perigoso e prejudicial à cidade, é como dar um cheque em branco para a prefeitura trabalhar como quiser.”
Para ele, a falta de transparência da operação foi uma opção da gestão. “A ideia de que as privatizações reduzem o tamanho do Estado é uma besteira, porque para privatizar é necessário um Estado forte e muito técnico para fiscalizar o processo. Se ele não faz um bom trabalho, espanta os investidores.”
Também o ex-presidente da Câmara Antônio Donato usou essa expressão para definir os projetos de privatização da gestão Doria quando a Prefeitura agrupou em uma mesma proposta a concessão e privatização de vários ativos, tais como o sistema de bilhetagem e os mercados – posteriormente, as propostas foram “fatiadas”, aparentemente por causa das críticas recebidas.
Por outro lado, é evidente que, apesar de haver projetos de melhoria dos equipamentos públicos, nem sempre é possível aperfeiçoá-los, devido aos interesses em jogo, principalmente de lobistas e contratos entre Prefeitura e empresas privadas.
O observatório de políticas urbanas ObservaSP, projeto conjunto da FAU-USP, UFMG, UFRJ e UFC e coordenado pelas urbanistas Raquel Rolnik e Paula Santoro, utilizou metáfora semelhante quando do lançamento do PMD: referiu-se ao plano apresentado como “passe livre para vender a cidade”, já que não especificava diretrizes específicas para cada equipamento e não trazia nenhum mecanismo para salvaguardar o interesse público. “Chama a atenção no projeto a total ausência das considerações dos interesses público e social nesses processos, uma vez que não há qualquer menção no PL sobre a necessidade de serem considerados. Isso fica claro desde o artigo 1° do PL, que trata dos objetivos fundamentais do Plano de Desestatização, que simplesmente não menciona em nenhuma das diretrizes algo relacionado à melhoria do atendimento ao cidadão. Fica claro que o plano não tem como eixo central a melhoria, universalidade e equidade no atendimento ao cidadão e sim a necessidade de racionalização do uso do ativo público pensada basicamente em relação a uma avaliação do seu potencial valor econômico e não do seu uso social.” Além disso, afirma o coletivo, “o PL determina que, antes de desestatizar os bens e serviços, sejam realizados estudos técnicos apenas de caráter operacional, econômico-financeiro e jurídico. Não são exigidos, para a definição de viabilidade dessa ou daquela desestatização, qualquer estudo relacionado ao impacto social da ação, muito menos estudos do impacto urbanístico e paisagístico na cidade, desconsiderando que a paisagem, assim como os espaços públicos, são bens comuns de todos os cidadãos.”
As parcerias entre as instâncias pública e privada são uma realidade instituída na gestão das cidades brasileiras desde pelo menos o começo da década de 1990, na esteira de uma bandeira neoliberal orientada pelos rumos econômicos da globalização. Geralmente, encontramos duas visões sobre as privatizações: de um lado, aqueles que a justificam como a única saída para a eficiência da gestão pública municipal; de outro, aqueles que a demonizam como se elas representassem a negação do papel do Estado.
Mais do que se posicionar de um lado ou de outro, o que parece fundamental é garantir um Estado suficientemente capaz de avaliar os termos dessas parcerias e os benefícios que elas trariam para a gestão pública, valorizando o bem público e seu acesso gratuito aos usuários; ou seja, um Estado com capacidade regulatória e fiscalizadora, e que a exerça em nome do interesse público. Nesse sentido, o Estado tem que estar altamente preparado para evitar a captura pelos interesses privados. Porém, a situação atual de São Paulo – e dos municípios brasileiros, em geral – não indica que ela esteja apta a tal regulamentação, uma vez que não há na Prefeitura um corpo técnico permanente (tal como na instância federal) que seja capaz de zelar pelo bem público por meio da regulação dos projetos de desestatização com isenção.
O que os fatos até agora parecem demonstrar é que o processo de privatização em curso na cidade de São Paulo, além de não satisfazer o principal objetivo declarado da Prefeitura, nomeadamente o de economizar recursos, tampouco garante a salvaguarda do interesse público.
Nas páginas a seguir, apresentamos o arcabouço institucional criado pelo Doria para levar adiante seu plano, assim como casos emblemáticos desse processo que sustentam as observações que aqui expomos.
Durante a campanha para as eleições municipais de 2016, o candidato João Doria, do PSDB, tendo se apoiado largamente no discurso das privatizações1, afirmou que iria vender, terceirizar ou conceder uma parte importante do patrimônio municipal. O candidato venceu o pleito no primeiro turno.
Ao tomar posse, Doria apresentou seu programa de privatizações como um “programa de desestatização” e, para levar essa política adiante, desenvolveu uma infraestrutura institucional e medidas específicas que incluíram:
1- A criação da Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias pelo decreto nº 57.576 de 1 de janeiro de 2017 – Criação da SMDP2 e pelo Código de Conduta Interno da Secretaria de Desestatização, complementar ao código geral sancionado pelo ex-prefeito Fernando Haddad em 2015.3 Para a criação da nova secretaria, o prefeito realocou uma verba de R$ 30 milhões que estava comprometida com construções de terminais de ônibus, controle de enchentes e reforma de pontes na Zona Norte, cancelando tais obras.4 Algumas das atribuições da SMDP são especificadas na lei 16.651, de 16 de maio de 2017, que cria o Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias (ver item 4 abaixo) e o Fundo Municipal de Desenvolvimento (ver item 5 abaixo):
Art. 4º Caberá à Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias – SMDP a implementação e o acompanhamento das desestatizações, competindo-lhe, entre outras atividades:
I – divulgar as desestatizações, bem como prestar todas as informações que vierem a ser solicitadas pelos órgãos e entidades do poder público e de controle interno e externo;
II – mobilizar, desmobilizar, definir e implementar o processo de desestatização dos bens e serviços municipais;
III – requisitar servidores dos órgãos ou entidades da Administração Municipal Direta e Indireta a fim de prover apoio técnico à implementação das desestatizações;
IV – constituir grupos de trabalhos para a discussão das desestatizações decididas pelo CMDP. Parágrafo único. A competência prevista no inciso II do “caput” deste artigo não inclui a gestão ordinária dos bens municipais, que continuará a cargo dos órgãos e entidades competentes.
2- Criação da São Paulo Negócios – SP Negócios (Lei 16.665 de 23 de maio de 2017), em substituição à antiga SP Negócios criada na gestão Haddad. É uma empresa de capital misto, contratada via Secretaria da Fazenda como agência encarregada de captar investidores nacionais e internacionais interessados na compra de ativos e/ou exploração de serviços públicos por meio de concessão. A Nova SP Negócios tem um Conselho Deliberativo presidido pelo ex-ministro Luiz Furlan, atualmente chairman da Lide e presidente da Lide Internacional, empresa fundada por Doria e de propriedade de sua família. Figuras como o ex-presidente da FIESP, Lafer Piva e o ex-embaixador Rubens Barbosa também fazem parte deste Conselho.
3- Criação da SP Parcerias (Lei nº 16.665 de 23 de maio de 2017), fruto do desmembramento da antiga SP Negócios. A empresa é responsável pela criação dos modelos de PPPs. Ela é uma empresa de capital aberto (suas ações serão negociadas na bolsa).
4- Criação do Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias – CMDP (Lei nº 16.651 de 16 de maio de 2017). O CMDP é composto por membros das secretarias de Desestatização e Parcerias, do Governo, da Fazenda, de Relações Internacionais e de Justiça. Quando a decisão abrange ativos de outras pastas, elas são convidadas a participar da decisão.
5- Criação do Fundo Municipal de Desenvolvimento – FMD (Lei nº 16.651 de 16 de maio de 2017), “que garante que os recursos dos projetos de desestatizações sejam destinados somente para áreas prioritárias da administração municipal, como saúde, educação, habitação, mobilidade e segurança; e não em custeio da máquina pública”.5
6- Criação da Secretaria Especial de Investimento Social – SEIS ou “secretaria de doações”, com o intuito de captar investimentos privados para as áreas de educação e saúde assistência social e nomeação do até então vice-presidente da Cyrela Brazil Realty, Cláudio Carvalho de Lima, como secretário. A Cyrela ganhou notoriedade por doar a reforma dos banheiros públicos do Parque Ibirapuera e, assim, inaugurar simbolicamente a “era das doações” de Doria6 (ver capítulo 3 deste relatório). Com o deslocamento do vice-prefeito Bruno Covas, que acumulava o cargo de secretário das Prefeituras Regionais, para secretaria de governo, a Secretaria de Investimento Social acabou sendo extinta e fundida com a Secretaria das Prefeituras Regionais em novembro deste ano. O secretário permaneceu sendo Cláudio Carvalho.
7- Elaboração do Plano Municipal de Desestatização – PMD, um pacote de concessões de serviços e equipamentos públicos à iniciativa privada (PL 367/2017 aprovado pela Câmara dos Vereadores no dia 3/07, e confirmado em outubro de 2017),7 assim com o tratamento de concessões específicas ao Pacaembu (29/06) e Interlagos. No caso do Anhembi, a gestão Doria planejava contratar agente financeiro para cuidar de toda operação de privatização conjunta da SPTuris e do Complexo do Anhembi na Bolsa de Valores de São Paulo. A contratação seria feita por pregão eletrônico com base no menor preço. O teto do custo do serviço é de R$ 11 milhões.
Ao fim de seu primeiro ano de gestão, e apesar de muita controvérsia e críticas a várias dessas medidas, o governo Doria parecia avançar na consolidação de um novo regime de relação entre os agentes do mercado e a gestão pública da cidade de São Paulo, suscitando diversas questões sobre a natureza do limite entre o público e o privado.
Dentre os 55 itens, a Prefeitura de Doria elegeu 12 prioridades:8
– Bilhetagem de transportes;
– Terminais de ônibus;
– Cemitérios, crematórios e serviços funerários;
– Mercados municipais;
– Parques;
– Pacaembu;
– Imóveis municipais;
– Complexo Anhembi;
– Autódromo de Interlagos;
– Moradia social;
– Equipamentos e serviços de educação infantil – sem informação;
– Iluminação pública – PPP.
A primeira conclusão a que chegamos ao analisar os dados sobre esses serviços e equipamentos é a de que sua privatização contribuiria muito pouco para atingir o principal objetivo alegado para a privatização, nomeadamente o da economia de recursos públicos. Se considerarmos os números da desoneração publicados pela Prefeitura ao longo de 2017, a soma dos projetos de privatização prioritários não chegam a alcançar 1% do orçamento municipal (Quadro 1), representando um impacto pouco significativo na desoneração proposta pela SMDB.
Quadro 1. Principais ativos a serem privatizados e desoneração prevista pela gestão Doria.
O Programa de Desestatização Municipal desta gestão implica a desestatização de serviços e equipamentos do município por meio de duas modalidades:
As privatizações referem-se à venda de um ativo público, equipamento ou empresa estatal à iniciativa privada, que passa a ser dona do empreendimento, assumindo os lucros e os riscos do negócio. As privatizações geralmente ocorrem por meio de leilões públicos. O mais comum são os casos em que envolvem bens imobiliários. O programa de desestatização da gestão Doria elegeu como prioritários os seguintes ativos a serem privatizados:
– Autódromo e Kartódromo de Interlagos;
– Complexo do Anhembi (Sambódromo, Palácio de Convenções e Pavilhão de Exposições);
– Imóveis (terrenos ou nesgas).
Neste último caso, a atual gestão informa que existem mais de mil imóveis municipais inativos.9 Cabe observar ainda que, no horizonte dos interesses privados, o bem imobiliário é um dos investimentos mais atrativos no programa de desestatização de Doria – considerando aqui o alto potencial de extração de renda da terra na cidade de São Paulo – e, provavelmente por isso, é um dos itens mais avançados quanto à tramitação política na Câmara Municipal.
A concessão ocorre quando a Prefeitura cede o direito de exploração de um serviço ou bem público a uma empresa ou consórcio de empresas que, por tempo determinado, torna-se as concessionária do bem ou serviço. A definição de quem será a concessionária ocorre por meio de concorrência pública. Vence a concorrência quem dá o maior lance e/ou oferece melhores condições ou a menor tarifa (quando há cobrança de usuários). O bem ou serviço continua sendo público, porém a gestão passa a ser de responsabilidade do grupo ou empresa.10 Nesses casos, o ente privado obtém retorno financeiro por meio da cobrança de tarifas, ou explorando outros serviços relacionados ao bem, como publicidade e entretenimento.
Com o objetivo de criar meios de implementação do Plano Municipal de Desestatização, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a Lei 16.703, originada em projeto de lei proposto pelo Executivo e promulgada em 4 de outubro de 2017. A Lei 16.703/2017 indica que poderão ser utilizados diversos meios para a realização da desestatização de bens e serviços municipais, tais como concessão, permissão, parceria público-privada, cooperação, gestão de atividades, bens ou serviços, bem como outras parcerias e formas associativas, societárias ou contratuais.
O art. 9º da Lei autoriza o Executivo a realizar concessões para a desestatização do seguinte conjunto de bens e serviços específicos:
I – O sistema de arrecadação das tarifas do Transporte Coletivo Urbano de Passageiros, inclusive em cooperação com outros entes da federação;
II – O Mercado Municipal Paulista (Mercadão) e o Mercado Kinjo Yamato;
III – Parques, praças e planetários; e
IV – Remoção e pátios de estacionamento de veículos.
A Lei 16.811 de 2018 aumentou o rol de bens sujeitos a concessão incluindo também o Mercado Municipal Santo Amaro e o Sacolão Santo Amaro.
A forma de remuneração das concessionárias pode variar. No caso da concessão de parques públicos, por exemplo, a Lei 16.703/2017 veda a cobrança de ingresso dos usuários (art. 9º, § 3º, I) e, portanto, a remuneração deverá se dar pela exploração de serviços conexos ao bem público, tais como publicidade, a realização de eventos privados e a cessão do espaço a empresas de serviços de alimentação mediante pagamento. No caso da concessão dos mercados municipais, para citar outro exemplo, a remuneração poderá se dar por meio da cobrança de aluguel dos comerciantes que utilizam os espaços do bem concedido.
Um dos principais instrumentos utilizados por diferentes governos para repassar a exploração de determinados serviços e bens públicos à iniciativa privada e que poderá ser mobilizado no Plano Municipal de Desestatização de Doria é a Parceria Público-Privada.11
As PPPs são um tipo de concessão de serviços na qual o poder público entra com parte dos recursos necessários à sua prestação e a outra parcela do investimento cabe ao ente privado, que ganha o direito de explorar o equipamento/serviço por tempo determinado. Durante essa exploração (por prazo de, no mínimo cinco e no máximo 35 anos, de acordo com a legislação) o parceiro privado poderá recuperar seu investimento e obter lucro cobrando tarifas ou explorando comercialmente o equipamento/serviço.
Com frequência, contratos de PPP são utilizados para realização de obras combinadas com a exploração de serviços pela empresa privada. Um dos exemplos mais conhecidos é a PPP celebrada pelo governo do estado de São Paulo na Linha 4 – Amarela do metrô. Em casos como este, um dos principais argumentos para justificar a utilização da PPP é que os custos de investimentos demandados do parceiro privado para realização da obra ou prestação do serviço tendem a ser muito superiores ao lucro esperado da exploração do serviço. Dessa forma, além de se remunerar diretamente pelo serviço prestado (no caso da Linha 4, por exemplo, pela cobrança de tarifa dos usuários), o parceiro privado recebe um subsídio do parceiro público (no exemplo citado, complemento em dinheiro repassado pelo governo do Estado de São Paulo). Em razão do aporte direto de recursos pecuniários pelo poder público como um complemento à remuneração da concessionária, esta modalidade é conhecida como “concessão patrocinada”.
A PPP também pode ser realizada em casos em que a cobrança de tarifa diretamente dos usuários é vedada e, portanto, inviável para remunerar o parceiro privado. Nestes casos, o parceiro privado pode ser remunerado de duas formas. Uma alternativa é a remuneração integral e direta pelo parceiro público. Um exemplo, neste sentido, é a utilização de PPP para a prestação de serviços de gestão de presídios, como no presídio de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. A justificativa para realização de PPP, em tal caso, é que a gestão privada do equipamento público seria mais barata e eficiente do que a gestão pela administração pública. Outra alternativa é que o parceiro privado se remunere explorando comercialmente serviços conexos ao equipamento gerido. Um exemplo deste caso é a possibilidade de concessão de parques na cidade de São Paulo por meio de PPPs: como não podem ser cobradas tarifas dos usuários para utilizarem os parques, a remuneração da empresa concessionária viria, por exemplo, de contratos com outras empresas que prestariam serviços de alimentação ou da locação de equipamentos localizados nos parques para realização de eventos privados, como shows. É possível, ainda, combinar as duas formas de remuneração: parte como subsídio do parceiro público e outra parte ser retirada da exploração comercial do equipamento. Argumenta-se, com frequência, que a definição de qual o modelo de remuneração deve ser adotado depende, além de condições legais, de fatores econômicos de cada projeto de PPP.
Na cidade de São Paulo, as concessões serão realizadas de acordo com as seguintes etapas: a. Elaboração de Projeto de Lei na Câmara (que pressupõe audiências públicas e aprovação em duas instâncias); b. Publicação de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) no Diário Oficial, que conterá propostas de modelagem e gestão (em um prazo de 30 dias); c. Estudos de viabilidade pela Prefeitura, com análise do modelo de negócio apresentado pelo consórcio, incluindo projeto de investimento financeiro, desenho da arquitetura, projeto jurídico/modelo de contrato (num prazo 60 dias); d. Publicação do Edital de Licitação para fazer a concorrência do concessionário. A etapa “c” é o momento em que, alegadamente, será definido o modelo de concessão (se PPP ou não) e as formas de remuneração do concessionário.
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