No Brasil, o sistema de intermediação financeira, em vez de fertilizar e fomentar a economia, trava seus principais motores: a demanda das famílias; a atividade empresarial; e o investimento público, sob a forma de políticas sociais e infraestrutura.
O país trabalha, mas os resultados são drenados pelos crediários, pelas cobranças e pelos juros – sejam aqueles cobrados pelas operadoras de cartões de crédito, pelos bancos (para pessoas físicas ou jurídicas) ou pela alta taxa Selic. Trata-se da dimensão brasileira da financeirização mundial. E tudo isso só foi possível porque os agentes financeiros conseguiram dobrar a Constituição.
As mesmas forças que deformaram o sistema financeiro tiraram do mapa o que foi aprovado em 1988. O artigo 192 da Constituição afirmava: “As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura…”. Determinava ainda que o sistema financeiro nacional fosse “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”.
É só no Brasil que temos esses juros. Aqui, alguns crediários cobram, por exemplo, 104% ao ano para “artigos do lar” comprados a prazo. São 403% de juros no rotativo do cartão, e mais de 253,2% no cheque especial. O juro bancário para pessoa física é da ordem de 103%, segundo a ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contábeis) – o crédito consignado, que, na faixa de 25% a 30%, ainda é escorchante, é utilizado em menos de um terço dos créditos. Na França, os custos correspondentes se situam na faixa de 3,5% ao ano. A simulação abaixo, afixada na entrada de uma rede semelhante de artigos do lar na Europa, MidiaMarkt, apresenta juros de 13,3% ao ano, o que equivale a 1,05% ao mês. Uma compra de 600 euros, em 18 meses, é cobrada em 18 prestações de 38,85 euros. O total a prazo é de 699 euros. No Brasil, seria de mais de 1.200 euros.
No lado do investimento, da expansão da máquina produtiva, acontece o mesmo. Os juros para pessoa jurídica são proibitivos, da ordem de 24% para capital de giro e 35% para desconto de duplicatas. Tocar uma empresa nessas condições dificilmente é viável. Se, no ciclo de reprodução, o grosso do lucro vai para intermediários financeiros, a capacidade do produtor expandir a produção é pequena. Acumulam-se ainda os efeitos do travamento da demanda e da fragilização da capacidade de reinvestimento.
Além disso, a Selic elevada desestimula o investimento produtivo nas empresas, pois é mais fácil – risco zero, liquidez total – ganhar com títulos da dívida pública. Para os bancos e outros intermediários, é mais simples ganhar com a dívida do que fomentar a economia buscando bons projetos produtivos, tarefa que exigiria identificar clientes e projetos, analisar e seguir as linhas de crédito – ou seja, fazer sua lição de casa: usar as nossas poupanças para fomentar a economia. Os fortes lucros extraídos da economia real pela intermediação financeira terminam contaminando o conjunto dos agentes econômicos.
Os juros que são aplicados no Brasil graças à eliminação dos limites colocados pela Constituição de 1998 são nocivos para a maioria da população e enriquecem de forma abusiva os bancos e outros agentes financeiros, como é demonstrado a cada nova publicação dos balanços dessas instituições.
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