O complexo denominado Indústria de Alimentação representa um dos mais importantes setores da economia brasileira, sendo responsável pela geração de cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Bastante diversificado, reúne companhias que atuam em diferentes ramos do chamado sistema agroalimentar, da produção de insumos para a agropecuária ao varejo de produtos acabados em grandes supermercados. São consideradas atividades da Indústria de Alimentação a produção, a venda e o processamento de grãos, carnes, laticínios, doces e pratos prontos congelados, por exemplo.
Em 2014, o setor faturou R$ 525 bilhões e gerou 1,6 milhão de empregos, segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA). Sua participação no valor do produto gerado pelo conjunto da indústria de transformação cresceu durante o ciclo de alta dos preços das commodities, com reflexos nos preços finais dos alimentos, passando de 16,9% em 2004 para 20,2% em 2014.
Ainda que tal ciclo tenha chegado ao fim, puxado pela desaceleração da economia mundial (com destaque para a China), é pouco provável que o setor perca protagonismo no país. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em estudo conjunto, apontam que o Brasil pode se tornar o maior exportador global de alimentos até 2024, a maior parte como commodities.1
Para isso, o Brasil conta com uma forte cultura agropecuária – iniciada ainda no período da colonização portuguesa, com os engenhos de açúcar –, disponibilidade de terras, clima favorável em boa parte do país e um grande mercado consumidor, seja no próprio país ou no exterior. O Estado brasileiro e as políticas públicas têm desempenhado papel decisivo em toda essa trajetória.
Esse cenário tem, cada vez mais, atraído a atenção do capital estrangeiro, mas não a ponto de diminuir a participação de companhias de capital nacional no setor. Ao contrário. Desde o início do Plano Real, em 1995, as companhias estrangeiras perderam participação no faturamento do conjunto dos 25 maiores grupos em atuação no país, de 52% para 41%.2
Dos dez maiores grupos atuantes no país em termos de faturamento, seis são brasileiros e quatro, estrangeiros – como se pode notar na tabela a seguir. A maior companhia é a Bunge, que faturou US$ 9,5 bilhões em 2014. A empresa atua nos mais diversos setores do sistema agroalimentar: fornece insumos para agricultores, processa grãos e controla marcas próprias nos supermercados.
País de origem | Nome da empresa | Faturamento 2014 | |
1 | EUA | Bunge | US$ 9,502 bi |
2 | Brasil | JBS | US$ 8,980 bi |
3 | Brasil | BRF | US$ 8,919 bi |
4 | EUA | Cargill | US$ 8,906 bi |
5 | França | LDC | US$ 3,969 bi |
6 | Brasil | Copersucar Cooperativa | US$ 3,819 bi |
7 | Brasil | Coamo | US$ 2,805 bi |
8 | Reino Unido/ Holanda | Unilever | US$ 2,433 bi |
9 | Brasil | Copersucar | US$ 2,140 bi |
10 | Brasil | Aurora | US$ 2,105 bi |
Do ponto de vista da concentração, é possível identificar dois movimentos diferentes desde o início do Plano Real. Entre 1995 e 2004, o setor de alimentação se concentrou. O processo, porém, tomou o sentido contrário após aquele ano. Essa é a conclusão do estudo3 que analisou o tema a partir dos índices CR4 e CR8, bastante empregados em análises do tipo. Tais indicadores medem a porcentagem de mercado que é detida pelas maiores empresas – no caso do CR4, as quatro maiores, e no caso do CR8, as oito maiores.4
O CR4 saltou de 0,2 para 0,34 entre 1995 e 2004, o que significa que as quatro maiores empresas do setor de alimentação elevaram o controle do faturamento total do mercado de 20% para 34%. Em 1995, os quatro maiores grupos eram Nestlé, Unilever, Copersucar e Bunge, nesta ordem; em 2004, passaram a ser Bunge, JBS, BRF e Cargill.
A partir de 2004, porém, o grau de concentração passou a cair, e o CR4 de 2014 voltou ao patamar de 20 anos antes (0,2). O CR8 seguiu curva semelhante. Essa nova fase pode ser associada ao início do ciclo de alta dos preços das commodities, em 2002. Esse processo incentivou a entrada de novos atores no setor e a abertura de novos negócios, favorecendo a desconcentração industrial.
Na média global, apesar da intensa expansão rumo aos países emergentes, a Indústria de Alimentação não é tão concentrada. Dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, por suas siglas em inglês) apontam que as 50 maiores companhias controlam menos de 20% do mercado global.5 É preciso ressaltar, porém, que esses índices refletem o conjunto da Indústria de Alimentação. Em áreas específicas, como a da carne, houve concentração. Em 2008, Sadia e Perdigão se fundiram, criando a BR Foods, uma das maiores exportadoras do Brasil.6 E, em 2010, JBS e Bertin se uniram para criar a maior empresa de carnes do mundo.7
Pelas mesmas razões, o setor de suco de laranja também chama a atenção. O mercado é concentrado não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. As três grandes empresas que operam no território nacional também dominam o comércio global do produto. São elas Cutrale (30% da produção mundial), Citrosuco (25%) e Luis Dreyfus (15%). Em 2011, a fusão da Citrosuco, do grupo Fisher, com a Citrovita, do grupo Votorantim, chegou a ser avaliada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas acabou aprovada.8
No ramo da soja, a mesma coisa. Bunge, Cargill, ADM e Luis Dreyfus controlam cerca de 55% do mercado brasileiro.9 Como o mercado de fornecimento de insumos para o produtor também é concentrado, o sojicultor situa-se em posição fragilizada na parte intermediária da cadeia. Numa ponta, sofre pressão sobre custos de sementes e químicos. Na outra, sobre seu preço de venda.
No setor de laticínios, a pulverização ainda dita o tom do mercado. As dez maiores empresas dominam só 33% do mercado brasileiro. No entanto, especialistas avaliam que a tendência é de aumento da concentração para patamares mais próximos aos de outros países da América Latina, na casa dos 60%. A compra da Itambé pela Vigor, em 2013, seria um prenúncio desse processo.10
Mas não são só as empresas vinculadas diretamente à agropecuária as que possuem oligopólios. Na agroindústria que supre diretamente o varejo, a dominação de alguns produtos supera a metade do mercado. É o caso, por exemplo, da maionese Hellmann´s, com 55% do chamado marketshare. A dona da marca é a Unilever, dona de outros campeões de vendas, como Knorr, Maizena, suco Ades e sorvete Kibon.11
No varejo, a concentração das empresas também existe e se acentuou nos últimos anos. Cinco grandes grupos controlam pouco mais de 50% das vendas. São eles Pão de Açúcar, Carrefour, Walmart, Cencosud e Zaffari. A informação é da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). É mais do que a concentração estimada no plano global, no qual as 15 maiores companhias supermercadistas controlam 30% do mercado.12
O apoio financeiro a campanhas eleitorais é uma das formas mais visíveis da captura empreendida por empresas de alimentos. Nas eleições de 2014, o maior doador do país foi a JBS, que aplicou R$ 367 milhões em campanhas dos mais diversos partidos.
O que leva uma empresa como a JBS a doar milhões para a campanha de políticos que eventualmente ocuparão cargos no Executivo, no Legislativo ou em estatais? A resposta não passa necessariamente pela afinidade ideológica entre a empresa e candidatos, uma vez que os mais diversos partidos, da esquerda à direita, foram beneficiados pelas doações.
A realidade é que uma companhia como a JBS só pôde ser estruturada – assim como outras ligadas ao agronegócio – a partir de empréstimos a juros subsidiados pelo Tesouro Nacional. Entre 2005 e 2014, a JBS pegou emprestados R$ 2,5 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que foram liberados para operações como financiamento de exportações e compra de equipamentos.
Não está claro como e por que a JBS foi uma das empresas apoiadas pelo BNDES dentro do programa de campeões nacionais, que visava estruturar companhias brasileiras para disputar mercado no exterior. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegou a ser formada na Câmara dos Deputados para investigar o banco e seus empréstimos, mas o pedido para que os donos do frigorífico fossem convocados a depor jamais foi aprovado.
Notícias divulgadas na ocasião dão conta que o PMDB, partido mais beneficiado pelas doações da JBS, articulou em favor dos empresários, inclusive o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.13 O PMDB recebeu R$ 13,6 milhões da companhia, dos quais R$ 6,6 milhões foram direcionados ao diretório da sigla no Rio de Janeiro.
O apoio de empresas da Indústria de Alimentação para eleger candidatos afinados com seus interesses não é exclusividade da JBS. Outros frigoríficos, usinas sucroenergéticas e processadores de grãos são tradicionalmente grandes doadores eleitorais, ao lado dos setores bancários e da construção civil. Segundo dados do Tribunal Superior, os partidos gastaram nas eleições de 2014 o valor recorde de R$ 5,1 bilhões, a maior parte financiada por contribuições privadas.
Esse apoio financeiro a candidatos tem garantido o crescimento da chamada bancada ruralista no Congresso Nacional. Conforme levantamento da Frente Parlamentar da Agropecuária, 263 (51%) dos 513 deputados federais eleitos em 2014 estão ligados ao setor. Desse total, 139 (27%) já são membros da frente parlamentar e foram reeleitos; 124 (24%) são novos deputados ligados à agropecuária. Na legislatura anterior, a bancada ruralista contava 191 membros.
A força política do setor garantiu a aprovação de diversas pautas ao longo de 2015. Em abril, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara aprovou uma proposta que define o que é trabalho escravo no Brasil e altera o Código Penal (Decreto-Lei 3.689/41), retirando os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” da definição do crime. O projeto segue em debate em outras comissões da casa.
Também em abril, o plenário da Câmara disse sim ao projeto de lei da terceirização (PL 4330/04). A proposta, agora em trâmite no Senado, permite a terceirização das atividades-fim das empresas do setor privado, favorecendo a precarização das condições de trabalho, em especial no campo. O combate à terceirização tem sido uma das principais estratégias da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego para reduzir a exploração do trabalhador, principalmente daqueles que atuam temporariamente na colheita de lavouras como de cana e café.
O projeto pró-terceirização do deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), da bancada ruralista, ainda ampliou os tipos de empresas que podem atuar como terceirizadas, abrindo a oferta às associações, às fundações e às empresas individuais. O produtor rural pessoa física e o profissional liberal poderão figurar como contratantes.
A última vitória da bancada ruralista ocorreu em outubro. Uma comissão especial da Câmara aprovou proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere do governo federal para o Congresso a competência para fazer a demarcação de terras indígenas. O texto ainda terá de ser aprovado pelo plenário.
Atualmente, o Ministério da Justiça edita decretos de demarcação a partir de estudos antropológicos feitos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Conforme a redação aprovada, caberá ao Congresso aprovar eventuais propostas de demarcação enviadas pelo Executivo, que terá de indenizar fazendeiros que tiverem propriedades absorvidas por áreas demarcadas como terra indígena. O pagamento de indenização é obrigatório segundo a Constituição, mas até hoje a exigência não foi regulamentada. Essa lacuna tem dado margem a conflitos entre governo e fazendeiros.
Ainda em 2015, houve a expectativa de que o projeto de lei 4059/2012, que autoriza a compra de terras por estrangeiros, fosse apreciado pelo plenário da Câmara. Apesar da pressão da bancada ruralista e da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, em favor da mudança, a proposta segue na gaveta14 aguardando entrada na pauta. Abreu, vale lembrar, é uma das mais notórias líderes do agronegócio brasileiro. Sua campanha ao Senado,15 em 2014, foi financiada por grandes grupos exportadores, como Cutrale (suco de laranja), Cooxupé (café) e Fibria (celulose), que poderiam ser beneficiar com os investimentos estrangeiros trazidos pela nova lei.
Organizações que representam trabalhadores rurais brasileiros têm se colocado contra a proposta. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) levanta questões relacionadas à soberania nacional e à preservação dos recursos naturais em suas críticas ao projeto.16
São bastante diversos os grupos afetados pela captura empreendida por setores da Indústria de Alimentação sobre estruturas do Executivo, Legislativo e estatais. O grupo mais evidente é o dos trabalhadores, em especial aqueles alocados nas atividades agropecuárias.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o setor agrícola é o que mais possui trabalhadores sem carteira assinada: 60,2% de todos os seus empregados não possuem o documento. Na indústria, esse índice é de apenas 14,2%. O problema relacionado ao trabalho infantil também é grave. Conforme a Pnad, 1,1 milhão de crianças e jovens de 5 a 14 anos trabalham em todo o país. De todos os casos, 61,2% ocorrem em atividades agrícolas.
Em 2015, houve ainda 104 casos de trabalho escravo no país, sendo a maioria deles – 30 – na pecuária. No total, 860 trabalhadores obtiveram a liberdade após fiscalização do governo, segundo dados ainda preliminares da Comissão Pastoral da Terra. Especialistas no tema como o Frei Xavier Plassat, da CPT, avaliam que o projeto legislativo que enfraquece o conceito de trabalho escravo, apoiado por parlamentares financiados pelo agronegócio, incentivará a exploração do trabalhador.
Um outro grupo afetado pelo poder das companhias de alimentos é aquele constituído por pequenos fornecedores, em especial os chamados “agricultores integrados”. Trata-se especialmente de avicultores que produzem para a indústria, recebendo os animais e os insumos para isso. Vale lembrar que atualmente o Brasil é o maior exportador mundial de carne de aves.
Esse sistema que leva à captura econômica dos pequenos produtores também é chamado por um nome bem mais simpático: parceria. Basicamente, os frigoríficos adiantam os pintinhos, as rações e os remédios ao avicultor. Ele ainda é incentivado a investir na infraestrutura da propriedade, buscando empréstimos em bancos. Tudo em nome do padrão de qualidade da empresa.
Além disso, as indústrias prestam assistência técnica e não só compram como ainda mandam buscar os frangos na propriedade dos integrados. Depois de descontar os custos, a indústria pinga o pagamento na conta do avicultor. A parceria até parece um negócio da China para o produtor rural. Só que não.
De acordo com a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar na Região Sul (Fetraf-Sul), a remuneração por esses serviços é muito baixa. Ao final, esses pequenos produtores recebem um valor pelo frango crescido que, muitas vezes, é inferior ao de um bombom. Muitos deles sistematicamente têm prejuízos e só não desistem da atividade porque se endividaram pesadamente em bancos para construir seus aviários – um claro exemplo de captura econômica.
Na Indústria de Alimentação, mesmo os trabalhadores da agroindústria, que normalmente contam com melhores condições de trabalho, não estão livres de problemas. No setor de carnes, em especial no de aves, o trabalhador passa sua jornada dentro de uma câmera fria sob temperatura baixíssima, devendo desossar uma peça em poucos segundos.
A carga física superior ao limite gera uma alta incidência de doenças ocupacionais, o que ocasionou uma série de ações de fiscalização nos últimos anos. Em 2013, o Ministério do Trabalho e Emprego decidiu publicar uma regulamentação específica para frigoríficos e abatedouros, instituindo, por exemplo, a exigência de pausas aos trabalhadores distribuídas ao longo da jornada diária.17
A nova regulamentação pode ser considerada um “pequeno golpe” contra a captura econômica exercida pelas empresas sobre a jornada dos trabalhadores. Agora, durante o expediente, devem ser concedidas pausas ao longo da jornada diária. O tempo total varia de acordo com a jornada estabelecida, mas cada pausa deve ter até 20 minutos. Por exemplo, jornadas entre 7h40 e 9h10 por dia devem ter hoje uma soma de 60 minutos de pausas, além do horário de almoço.
De modo geral, o processo de concentração industrial pode levar, eventualmente, a práticas oligopolistas que podem gerar prejuízos a fornecedores e consumidores. No caso do sistema agroalimentar, isso poderia significar redução dos preços pagos a fornecedores e aumento de preços nas gôndolas para os consumidores.
Comecemos por esse último aspecto. Na visão de estudiosos do setor como Flexor e Viegas,18 o avanço tecnológico e ganho de escala aparentemente beneficiam o consumidor, pois os preços de alimentos processados subiram menos do que os índices gerais quando se analisa o longo prazo. O Índice de Preços de Alimentos da FAO,19 uma das principais referências globais, revela uma tendência20 quase ininterrupta de queda dos preços reais desde a década de setenta, apenas cessada com o início do último ciclo de commodities, já nos anos 2000. Entretanto, com a crise financeira global e a desaceleração chinesa, as cotações voltaram a cair aos níveis pré-ciclo.
Flexor destaca que a transnacionalização do sistema agroalimentar brasileiro tem prováveis efeitos externos positivos. “Os vazamentos (spillovers) tecnológicos ou gerenciais e a maior articulação com os mercados externos parecem ser os mais concretos”, diz ele. É preciso ressaltar que o benefício sobre o qual se fala aqui é o preço do produto, e não a qualidade dele. Nos últimos anos, ganharam força os debates sobre o uso de agrotóxicos no país e seus reflexos na saúde dos consumidores.
O Brasil constitui o maior mercado mundial de agrotóxicos. Ruralistas e indústria, liderados pela ministra da Agricultura, Kátia Abreu, estão juntos na resistência ao lançamento do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara). Para ela, o programa “seria a sentença de morte da agricultura brasileira” e disse que o país só assumiu protagonismo mundial no setor agrícola porque utiliza agrotóxicos.21
Em linha com Flexor, Viegas analisou a evolução do índice de preços de alimentos industrializados na década de noventa e aponta que essas cotações subiram menos do que os índices gerais. Assim, ele conclui que “o repasse de ganhos de eficiência obtidos com fusões e aquisições pode pressionar negativamente [para baixo] os preços ao consumidor”. Ou seja, o efeito eficiência falou mais alto do que o efeito poder de mercado.
O próprio Flexor reconhece, porém, que o mesmo efeito positivo não desagua sobre parte dos agricultores, em especial sobre os menos capitalizados. Segundo ele, estes estão submetidos a um conjunto de pressões competitivas cujos impactos sociais e econômicos são dramáticos.
Na mesma linha, Umbelino Oliveira reforça que a expansão do modo capitalista de produção no campo se dá primeiro e fundamentalmente pela sujeição da renda da terra ao capital, quer comprando a terra para explorar ou vender, quer subordinando a produção do tipo camponês. “No processo contraditório de apropriação da renda da terra pelo capital, assistimos, portanto, de um lado, a unificação do proprietário e do capitalista numa mesma pessoa; de outro lado, o processo de sujeição da renda ao capital nos setores de produção não capitalistas, por exemplo, no caso da propriedade familiar de tipo camponês. Nesse caso temos a sujeição da renda da terra ao capital sem que se dê a expropriação dos instrumentos de produção.”22
Um caso clássico que ilustra esse processo é o dos integrados da indústria de aves do sul do Brasil. Por trás de uma indústria que fatura bilhões, há milhares de agricultores familiares presos a contratos nebulosos firmados com frigoríficos – e em geral mal remunerados, endividados e obrigados a gastar diariamente o trabalho e a saúde de toda a família. Atualmente, há forte pressão da indústria para que haja mais escala de produção em cada produtor integrado, resultando em redução do número de fornecedores – um modelo que gera a exclusão de avicultores que tradicionalmente atuavam no setor.
Não se pode dizer, porém, que esse problema que afeta os avicultores não seja coerente com todo o sistema que rege o complexo denominado Indústria da Alimentação no Brasil. O setor funciona a partir de uma agricultura monocultora, que concentra a posse da terra e usa intensivamente agrotóxicos. Ainda que, de modo geral, a tendência à concentração na indústria tenha sido interrompida a partir do último ciclo de commodities – há que analisar o que ocorrerá agora, com o fim desse ciclo –, ramos específicos estão oligopolizados, como nas indústrias de carnes e suco de laranja.
É o mesmo que ocorre com os canais de distribuição. No varejo, a concentração das empresas se acentuou nos últimos anos e os cinco grandes grupos – Pão de Açúcar, Carrefour, Walmart, Cencosud e Zaffari – controlam pouco mais de 50% das vendas. São eles que, em parceria com a indústria, promovem tendências de consumo associadas a hábitos poucos saudáveis que geram o que especialistas em saúde pública classificam como epidemia de obesidade.