Os sistemas financeiros oferecem alguns dos melhores exemplos do que chamamos de captura econômica, ou seja, o mecanismo por meio do qual atores econômicos conseguem obter uma parcela desproporcional das riquezas geradas pela sociedade. Operações nos paraísos fiscais, acordos para pagar multas milionárias, mas menores do que os lucros obtidos, sistemas de resolução de controvérsias privatizados para processar Estados por uma aparente perda de lucros, ou dívidas públicas que fragilizam os Estados perante os que possuem os títulos – o caso dos fundos abutres na Argentina – são alguns dos exemplos das ferramentas que os grandes atores das finanças criaram para lucrar de forma extrema.
Nos acordos (settlements), as corporações pagam uma multa, mas não precisam reconhecer sua culpa, evitando assim que seus administradores sejam criminalmente responsabilizados. A GSK, por exemplo, uma gigante da área farmacêutica, fez um acordo com a Justiça americana para compensar fraude generalizada com medicamentos, pagando US$ 3 bilhões. A companhia, porém, lucrou com a fraude mais do que pagou de multa.
Hoje, as corporações dispõem de mecanismos jurídicos favoráveis a elas, como o International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, as empresas acionam países quando esses lhes impõem normas ambientais ou sociais que julguem desfavoráveis, e processam–nos pela perda de lucros que poderiam ter tido. A disputa jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership, no Atlântico, e TPP (Trans-Pacific Partnership), no Pacífico, ao amarrar um conjunto de países com regras internacionais em que os Estados nacionais perdem grande parte da sua capacidade para regular em matéria social, sanitária, ambiental e econômica.
Os paraísos fiscais também são um mecanismo poderoso para privar os Estados de controle: praticamente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas “laranjas” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer em nome de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o caminho do fluxo financeiro se interrompe, permitindo todo tipo de ilegalidades – em particular a evasão fiscal e inúmeras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas1. Ou seja, esses recursos, que deveriam ser reinvestidos no fomento da economia, não só são desviados para a especulação financeira como escapam dos impostos.
Para um PIB mundial da ordem de US$ 73 trilhões, o estoque de recursos financeiros em paraísos fiscais se situa hoje entre US$ 21 e US$ 32 trilhões segundo a Tax Justice Network. O Brasil participa com US$ 520 bilhões, cerca de 28% do nosso PIB. Já saíram, por exemplo, os dados do Itaú e do Bradesco em Luxemburgo (ICIJ), bem como os do misinvoicing ou transfer pricing (fraude nas notas fiscais) que nos custa US$ 35 bilhões por ano em recursos enviados ilegalmente para o exterior segundo pesquisa do Global Financial Integrity, além dos fluxos analisados pelo HSBC e outros bancos.
Os Estados viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular esse sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade.
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