Nas mais diversas frentes, os anos de 2016, 2017 e o ano que se inicia de 2018 trouxeram retrocessos inimagináveis no que diz respeito à segurança alimentar da população brasileira, ao desenvolvimento no campo. E isso porque grandes corporações e grandes grupos econômicos têm aproveitado a conjuntura nacional para garantir que seus interesses prevaleçam em detrimento nada mais, nada menos, do que da saúde pública no país.
Diversas são as frentes de ataque:
Nos últimos dias foram veiculadas notícias que mostravam como a bancada ruralista promete dar os votos necessários para a reforma da Previdência caso o Planalto se comprometa com a aprovação de projetos que propõem fragilizar a legislação sobre os agrotóxicos. Um desses projetos tenta abrir a possibilidade de registrar produtos que tenham potencial de causar câncer, malformação fetal, alterações endócrinas, alterações no sistema reprodutivo e mutação no material genético. Hoje em dia, segundo a lei vigente de 1989, agrotóxicos que causem esses efeitos nos testes apresentados pelas indústrias no momento de registro são indeferidos pela Anvisa e os agrotóxicos não são registrados.
Outro projeto de lei visa tirar da Anvisa o poder de avaliação sobre os critérios de saúde, ficando a cargo do Ministério da Agricultura ou de uma comissão técnica semelhante a Comissão Técnica Nacional e Biossegurança (CTNBio). Esta, por sua vez, tem demonstrado uma atuação bastante questionável liberando sementes transgênicas ao comércio mesmo frente a oposição de diversos de seus conselheiros.
Outra frente de ataque tem sido a intimidação pura e simples: A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou, no início deste mês, uma nota pública contra censura e intimidação de pesquisadores e pelo direito de se produzir ciência para a defesa da vida.
Após apresentação de pesquisador da Fiocruz Ceará, durante audiência pública para debater os agrotóxicos e a saúde, o pesquisador responsável foi alvo de críticas, constrangimentos e notificação judicial movida pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec) que questionou e solicitou esclarecimentos sobre os dados apresentados, que diga-se de passagem, foram produzidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso algumas “solicitações” foram feitas, como a que se evitasse chamar os agrotóxicos de “veneno” e se passasse a chamá-los de “defensivos agrícolas”.
Outra frente de ataque é o desmonte das políticas de segurança alimentar e de desenvolvimento rural que tem sido levado a cabo: Em 2015 o Brasil tinha enfim comemorado a saída do mapa da fome. Os países que têm mais de 5% da sua população comendo menos do que deveria são os que constam nesse mapa da ONU. O combate à pobreza rural, através de um conjunto de políticas públicas, contribuiu muito para este resultado. Estas políticas permitiram vida digna e melhor produção para as famílias no meio rural ao mesmo tempo que garantiam o acesso a um alimento saudável para a população mais vulnerável nas cidades. O extermínio destas políticas tem feito a extrema pobreza voltar ao campo e milhares de famílias abandonarem a produção de alimentos. Ao mesmo tempo, a população da cidade tem ficado sem as políticas sociais que ajudavam a garantir acesso ao alimento, dentre elas, o Bolsa Família. Temos visto notícias do retorno da fome nas cidades do país com frequência. Um exemplo é a reportagem veiculada pelo Jornal Valor Econômico que relata a situação de fome em Parelheiros (SP): “Têm aumentado bastante os casos de famílias que não têm nada dentro de casa para comer aqui na região, diz a agente comunitária básica de saúde (UBS) do bairro, Vanda Lúcia Pereira Bastos, que cita como exemplo uma ação recente do Conselho Tutelar que tirou de casa uma criança que não comia há muito tempo.” (http://www.valor.com.br/brasil/5230245/falta-de-comida-volta-ameacar-parelheiros)
O governo de Temer cortou verbas de todos os programas de desenvolvimento territorial, de aquisição de terras, de comercialização de produção da agricultura familiar, de regularização fundiária, de assistência técnica e extensão rural, de convivência com o semiárido, de aquisição de terras para a Reforma Agrária, de habitação rural, entre outros. Ao fazer isso esse governo freia o desenvolvimento do campo, o desenvolvimento do país em bases justas e sustentáveis e coloca em risco a saúde de toda a população. Os cortes foram da ordem de mais de 55% para todos esses programas, chegando a mais de 80% para alguns casos, o que na prática significa o seu fim.
Todo esse desmonte mata lentamente a população e de forma extremamente perversa. Mas vale a oportunidade para falar de uma outra frente de ataque que por sua vez tem matado de forma bem mais rápida: Trata-se do inacreditável recrudescimento da violência no campo. Assassinatos de trabalhadoras e trabalhadores do campo não são novidade e nem se restringem a governos autoritários ou de direita, mas o que temos presenciado desde o golpe contra a presidenta Dilma é um verdadeiro massacre. Grileiros, latifundiários, madeireiros, fazendeiros e mineradoras têm carta branca para matar e, muitas vezes, com a ajuda das polícias civil e militar, como foi o caso da chacina de Pau D’arco, no Pará. Se a impunidade sempre imperou, imaginem agora. As regiões amazônicas e do cerrado são onde se concentram os assassinatos. Não surpreende. É para essas regiões que avança a fronteira agrícola. Até 1º de fevereiro deste ano, a era Temer já contava com mais de 100 assassinatos no campo! Sessenta e cinco mortes confirmadas em 2017. Em 2016 foram 61 mortes, a maior parte no período após a queda de Dilma Rousseff. Para se ter dimensão do crescimento desses números, em 2015 foram 50 assassinatos e em 2014, 36.
Quem ganha com tudo isso se a população está perdendo? A Bancada Ruralista, que aproveita a conjuntura para mudar as regras da demarcação de territórios indígenas, suprimir ainda mais a proteção ambiental, ”flexibilizar” as regras para a implantação de grandes empreendimentos, enfraquecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo; as grandes empresas produtoras de agrotóxicos que lançam no Brasil seus produtos proibidos em diversos países do mundo; as farmacêuticas e os planos de saúde, que já têm nas enfermidades ligadas à má alimentação, como câncer, diabetes e obesidade, um belo nicho de mercado e; as mineradoras que podem destruir territórios e comunidades sem consequência alguma (basta lembrar do caso da Samarco/Vale). Não há ponto sem nó nesse desmonte. Onde for possível acumular capital de forma espoliativa, o estado fará o serviço necessário para viabilizar esse processo. Temos assistido ao cercamento de tudo o que é público para que o capital possa transformá-lo em mercadoria e o governo golpista tem feito direitinho a lição de casa, tirando todos os entraves legais e jurídicos para tal.