O título desta coluna foi retirado de um cartaz recorrente nos muitos atos realizados pelos estudantes chilenos em defesa da Educação Pública. A ideia por trás da frase “Esto no es crisis, se llama capitalismo”, por óbvio, se relaciona à reivindicação de acesso a universidades públicas, gratuitas e de qualidade, mas pode ser ressignificada para englobar muitas outras questões, inclusive os (mais uma vez frustrantes) resultados da Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP)1, cuja última edição aconteceu entre os dias 7 e 19 de novembro de 2016, na cidade de Marrakesh, Marrocos.
Estiveram presentes na linda cidade marroquina os governos de todos os 197 países que ratificaram sua participação ou aderiram à convenção do clima, além de representantes da sociedade civil, entre os quais movimentos sociais, ONGs e uma enorme quantidade de empresas. O setor privado – liderado pelas corporações ligadas à indústria dos combustíveis fósseis e pelos bancos – deixou claro mais uma vez seu interesse de, por um lado, ampliar as possibilidades de negócios gerados pela nova “economia verde” e, por outro, manter a economia como ela é hoje. Por mais contraditório que possa parecer, muitas empresas atuam simultaneamente nos dois eixos.
A força do lobby das empresas
A atuação despudorada dos lobistas tem crescido na última década. Representantes das grandes empresas – munidos de milhões de dólares – atuam, a grosso modo, de duas formas. A primeira delas é a mais simples e direta: as empresas – individualmente ou em grupo – contratam outras empresas de publicidade, relações públicas e comunicação para “pintá-las de verde”. Fazem isso não apenas com perspectivas de melhorar vendas, mas também como forma de influenciar a opinião pública, os meios de comunicação e os governos. Um exemplo é a British Petroleum (BP): há poucos anos, a empresa decidiu renovar sua imagem como “empresa de energia” lançando o slogan Beyond Petroleum (Para além do petróleo), embora 98% do seu negócio ainda esteja concentrado nos combustíveis fósseis 2.
Outra estratégia comum é a das empresas que promovem a negação do processo das mudanças climáticas: a petroleira (sempre elas) Exxon-Mobil, por exemplo, financia think-tanks cuja única função é fornecer argumentos e propaganda “demonstrando” que as mudanças no clima não existem. Tal estratégia tem surtido bastante efeito em alguns países, particularmente nos EUA, onde inclusive o presidente eleito Donald Trump talvez seja o mais conhecido dos deniers (negadores).
Trump diz que não acredita na ciência. Contrariando décadas de conclusões dos principais centros de pesquisa científica do mundo, ele declarou em 2012 que o aquecimento global é um mito. Em seu Twitter, disse que o conceito de aquecimento global foi criado por chineses para prejudicar a competitividade da indústria estadunidense. Uma pesquisa recente3 informa que, nos EUA, uma em cada quatro pessoas duvida ou nega a realidade da mudança climática.
Enfrentar o poder da indústria do setor dos combustíveis é uma tarefa muito difícil. Seus interesses, na maioria das vezes, são múltiplos e contraditórios. Guiados pela noção da diversificação dos negócios, conjugam o interesse imediato de bloquear a negociação com a legitimação de falsas soluções que, no futuro, irão beneficiar seus negócios. Desta forma, os resultados extremamente frustrantes das últimas COPs também são de responsabilidade das grandes multinacionais petroleiras.
Além da montanha de dinheiro que esse setor usa para garantir que legislações contrárias aos seus interesses não avancem, essas empresas invariavelmente lideram gigantescas e poderosíssimas associações intersetoriais de lobby. As empresas se associam para proteger todo o grupo.
As mudanças climáticas e os acordos multilaterais de investimento
Outra estratégia de pressão sobre a soberania dos Estados Nacionais nas negociações sobre o clima está relacionada aos acordos multilaterais de investimento (Multilateral Agreement on Investment – MAI). Estes acordos incluem, invariavelmente, as denominadas cláusulas de “arbitragem estado-investidor” (ISDS, por sua sigla em inglês), que permitem que os “investidores” estrangeiros processem os governos soberanos em tribunais de arbitragem, formados por três árbitros contratados. Os tribunais se reúnem para julgar qualquer nova legislação que uma empresa considerar prejudicial aos seus interesses presentes ou mesmo futuros. Por exemplo: a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis certamente será objeto de questionamento pelas grandes multinacionais do petróleo. Foi o que aconteceu no caso da Occidental Petroleum que acionou judicialmente o Equador porque o país se opôs à perfuração de uma área ambientalmente protegida. O tribunal de arbitragem concedeu indenização à Occidental Petroleum em 1 bilhão e 700 milhões de dólares.
Muitas vezes, “só” as ameaças de ação judicial já são suficientes para fazer um governo pensar duas vezes antes de aprovar uma lei nacional que proteja seu povo ou o ambiente. Um país pode até ganhar a ação contra uma empresa (até hoje, temos apenas 35% dos casos com decisão pró-governos), mas, depois de ter assinado um tratado, os custos do processo podem chegar à casa dos milhões de dólares. Se já não fosse suficiente, as empresas também podem processar um Estado por “desencorajar” outros governos a fazer alterações em suas leis nacionais, prejudicando a expectativa de lucro de tais empresas.
Os instrumentos sumariamente apresentados aqui são apenas alguns dos elementos que fragilizam Estados soberanos diante das grandes corporações. O que vemos nas conferências do clima se repete em outros fóruns multilaterais; os países são levados a desistir do seu papel moderador dos diversos interesses da sociedade assim como do estatuto de guardiões dos bens comuns.
Capturados por interesses privados, os Estados atuam para ampliar o lucro das empresas, aumentando o risco de caos ambiental e humano que se aproxima em grande velocidade. Tudo isto em nome de uma pretensa saída da crise, que na verdade se chama capitalismo.
Daniel Angelim e Tatiana Oliveira são militantes do Vigência!.