Por Yamila Goldfarb e Selma Medeiros
Atualizar-se sobre a amplitude da cultura humana historicamente produzida é o próprio processo educacional. Para isso, os professores são os profissionais responsáveis por tornar esse processo eficiente e eficaz, filosófica e cientificamente. Não se faz isso apenas com “notório saber” específico, mas com formação sólida no campo de conhecimento e na ciência pedagógica.
Se, socialmente, qualquer pessoa reconhece a importância da docência, economicamente e profissionalmente isso não acontece. Essa formação ampla e específica dos professores e professoras tem sido continuamente relegada à segundo plano tendo em vista os salários bem abaixo de sua formação se comparados ao mercado de trabalho.
Este reconhecimento das condições de trabalho é o que está em jogo entre docentes das escolas da rede privada e mantenedores de escolas privadas da rede estadual paulista com o embate em torno da Convenção Coletiva.
Mas afinal, o que é a Convenção Coletiva? Nada mais é do que um acordo sobre as condições mínimas de trabalho, realizado entre Sindicato dos Professores – SINPRO (organizados municipal e regionalmente no estado de São Paulo) e Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo – SIEEESP (que representa as instituições particulares de ensino no estado de São Paulo). Nesse acordo, alguns direitos foram sendo estruturados e a atual Convenção Coletiva é resultado de 20 anos de debates, com 64 cláusulas. Inicialmente, o SIEEESP pedia a alteração de, aproximadamente, 40% delas.
Essa categoria tem sofrido a ameaça de perda de diversos direitos frente ao desrespeito da Convenção Coletiva, acordo firmado entre sindicatos patronais e de professores que rege os contratos de trabalho há mais de vinte anos. Alguns exemplos seriam a restrição de bolsas de estudo de filhos de professores e assistência médica, o fim da isonomia salarial, redução de salários e contratos por tempo determinado, fim da garantia de semestralidade, além de indicar abertura à terceirização na Educação. Esse desmonte do ensino privado não é lá muito diferente do desmonte que tem sido feito na educação pública, em que os professores já enfrentam péssimas condições de trabalho e de remuneração. Nesse bojo todo temos ainda a reforma do ensino médio, empurrada goela abaixo sem debate e com máscara de “modernização”.
Aproveitando-se da conjuntura de desmonte das leis que garantem direitos aos trabalhadores, oportunidade que surge a partir da aprovação e entrada em vigor da reforma trabalhista, o SIEEESP, sindicato patronal, decidiu de forma intransigente e unilateral deixar de respeitar a Convenção e abandonou intempestivamente a mesa de negociações, mesmo diante das tentativas de buscar conciliação conduzidas pela Justiça do Trabalho.
É evidente que nenhuma dessas alterações propostas na Convenção Coletiva atual significa a melhoria na qualidade do ensino. Muito pelo contrário, já que impõe uma instabilidade e precariedade nas condições de trabalho dos professores, elementos que todos sabemos são fundamentais para a qualidade do ensino. Não surpreende que mudanças como estas sejam impostas. São resultado do golpe que não tem feito outra coisa senão pilhar o país. Privatizam-se recursos, precariza-se o trabalho, arrancam-se direitos, congela-se o futuro do Brasil.
Desde fevereiro estabeleceu-se uma batalha e uma mobilização em torno da renovação da Convenção, que é renegociada bianualmente. No entanto, nas duas últimas semanas, frente à postura intransigente do sindicato patronal, a mobilização se intensificou fortemente. Uma forte mobilização desses professores com apoio de pais e alunos ganhou peso nas últimas semanas, levando à mais de cem escolas paralisarem as aulas no dia 29 de maio. No dia 23 haviam sido por volta de 40 escolas. Aulas públicas, saraus, marchas, assembleias, rodas de conversa têm sido feitas em espaços públicos para envolver o maior número possível de pessoas.
A mobilização dos caminhoneiros, ocorrida nas mesmas semanas, certamente gerou enorme impacto no país o que terminou por ofuscar a dos professores, mas estes, sejam eles de escolas públicas ou particulares são uma categoria responsável por uma carga também bem pesada. Professores não são caminhoneiros, mas carregam carga pesada ao educar as novas gerações. Não diminuem a oferta de gasolina, mas também fornecem o combustível necessário a uma sociedade que se quer democrática, com chances de futuro e culta.
Apoiar o ensino de qualidade e para isso as condições de trabalho é garantir um futuro comum salvo da barbárie. Deveria ser interesse de todos e estar acima de interesses privados, mercadológicos ou classistas. Mas a história, embora sempre tenha sido escrita por poucos, se faz por muitos. Formigas que somos, não descansaremos até que seja reescrita. “Quem não pode com formiga, não atiça o formigueiro.”